| Portugal
 Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
 linda vista para o mar,
 Minho verde, Algarve de cal,
 jerico rapando o espinhaço da terra,
 surdo e miudinho,
 moinho a braços com um vento
 testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
 se fosses só o sal, o sol, o sul,
 o ladino pardal,
 o manso boi coloquial,
 a rechinante sardinha,
 a desancada varina,
 o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
 a muda queixa amendoada
 duns olhos pestanítidos,
 se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
 o ferrugento cão asmático das praias,
 o grilo engaiolado, a grila no lábio,
 o calendário na parede, o emblema na lapela,
 ó Portugal, se fosses só três sílabas
 de plástico, que era mais barato!
 | Doceiras de   Amarante, barristas de Barcelos,rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
 não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,
 galo que cante a cores na minha prateleira,
 alvura arrendada para o meu devaneio,
 bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
 
 Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
 golpe até ao osso, fome sem entretém,
 perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
 rocim engraxado,
 feira cabisbaixa,
 meu remorso,
 meu remorso de todos nós...
 
 
 Alexandre O'Neill, in Feira Cabisbaixa, 1965
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fotografia de Renato Roque
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